As devoções à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, tal como a da Terceira Pessoa – o Divino Espírito Santo – são muito antigas nestas ilhas. Chegou, naturalmente, com os que estas ilhas vieram povoar. E tudo trouxeram: a devoção que alimentavam nas almas crentes, e até o pároco que as dirigia e confortava. Construíram para eles a primeira igreja a que deram o nome do Santo onomástico do seu pároco ou capelão. Todavia deve realçar-se que a primeira paróquia da Ilha foi dedicada à Santíssima Trindade, título que conserva ao longo destes cinco séculos.
O Brasil foi descoberto depois de, nestas ilhas, ter sido iniciado o povoamento. Quando isso aconteceu, com certeza, alguns daqui partiram para o novo mundo. Uma sina dos portugueses que, tendo um rectângulo bastante limitado, no extremo oeste da Europa, andou à procura de novos mundos. A Professora Maria Cecília França, do Instituto de culto da Universidade de São Paulo, dedicou a sua tese de doutoramento aos “Pequenos Centros Paulistas de Função Religiosa”. Referindo-se à cidade de Iguape, escreve:
“Iguape foi, sem dúvida alguma, o centro original de irradiação desse culto. A imagem do Bom Jesus, que é hoje objecto da devoção dos peregrinos que para ali afluem vindos de tão longe, foi descoberta em 1647. De todas as cidades que no Brasil se constituem em centros de peregrinação religiosa expressivos, Iguape é a que possui a imagem mais antiga. Além disso, Iguape é anterior, mais de um século, à data de descoberta do Santo, e como tal participou de todo o processo povoador difundido a partir de São Vicente e do planalto paulista.” (pág.45)
Como se verifica a imagem do Bom Jesus, objecto da devoção dos peregrinos, foi descoberta em 1647. E descoberta naquele ano, naturalmente, porque já existira, anteriormente.
O culto do Bom Jesus de Iguape irradiou por todo o Estado de S. Paulo e chegou ao Estado de Santa Catarina onde se veio a fixar o grupo de quarenta casais picoenses, depois dos sismos ocorridos na Ilha do Pico em 1718 e 1720.
Curiosamente, a festa anual tem lugar, nos diversos Centros do Brasil, como na Ilha do Pico, no dia 6 de Agosto.
A devoção ao Bom Jesus de Braga é também bastante antiga. No entanto, a Doutora França diz: ”Não temos conhecimento do culto à imagem do Ecce Homo em Portugal mas sabemos que é essa a representação mais difundida do Bom Jesus no arquipélago dos Açores e que a sua introdução foi ali feita na ilha de S. Miguel. É verdade que a imagem do Ecce Homo nos Açores não é exactamente a imagem do Brasil, com excepção daquela que é cultuada na Freguesia de S. Mateus, na ilha do Pico. O Ecce Homo açoriano é mais comummente representado pelo tronco, daí derivando a cognominação que lhe é dada em Santa Catarina. (…) No Brasil a imagem é de corpo inteiro. Frequentemente o Cristo possui uma cana entre as mãos, o que justifica a denominação de Bom Jesus da Cana Verde (…)”(pág.67)
A imagem do Bom Jesus de S. Mateus do Pico, como é sabido, para ali trazida em 1862, pelo emigrante retornado Francisco Ferreira Goulart é, precisamente, a do Bom Jesus da Cana Verde, cópia fiel daquelas que se veneram no Brasil.
Veio de Iguape, onde idêntica Imagem do Bom Jesus da Cana Verde havia sido descoberta em 1647, como acima se refere. Aqui passou a ser venerada como Bom Jesus Milagroso, mercê das inúmeras graças alcançadas do Senhor.
Iguape é uma pequena cidade fundada em 1538. Foi elevada a vila entre 1600 e 1614. A Igreja Matriz foi iniciada nesse último ano. Porque era um centro importante do culto ao Bom Jesus, quando foi elevada a cidade em 1848 tomou o nome de Bom Jesus da Ribeira.
As imagens do Ecce Homo existentes na ilha do Pico (S. Mateus, em 1862, Calheta de Nesquim, em 1906, Criação Velha, em 1914) são cópia fiel da existente em Iguape, ao passo que as outras que se veneram nas diversas igrejas açorianas, a principiar pelo Santo Cristo de Ponta Delgada, são em busto.
Num folheto publicado pela Paroquial de S. Mateus, de que era pároco o falecido Pe. António Filipe Madruga, pode ler-se na “Nota de Abertura”: “Em Agosto de 1962 o saudoso Sr. Pe. Joaquim Vieira da Rosa, o 1º Reitor deste Santuário do Senhor Bom Jesus Milagroso do Pico e pároco durante várias décadas na paróquia de São Mateus, quis assinalar de forma singular o 1º centenário deste extraordinário “Caminho de Luz” aberto às almas pela devoção a Cristo através da Imagem do Ecce Homo. E entre o muito mais que, longo seria enumerar, deixou como padrão imorredouro a elevação da paroquial de São Mateus a Santuário diocesano.“
Anteriormente, porém, existiam Imagens do Bom Jesus que eram e são a representação de Jesus Crucificado.
Em 1731, o doutor Luís Homem da Costa entregou à confraria do Bom Jesus das Preces, erecta na Matriz das Lajes, uma relíquia do santo Lenho numa custódia de prata com um cristal lapidado, oferta da condessa do Rio Grande. Na Vila das Lajes, pelo mesmo tempo da que existe na Praia do Almoxarife, Faial, já se encontrava a Imagem do Bom Jesus das Preces. Segundo Silveira de Macedo, (História das quatro Ilhas, vol. I, pág 220), “consta que esta imagem foi arrojada pelo mar à Praia, o que faz crer terem (as duas) a mesma proveniência, ou seja que foram imagens lançadas ao rio na Inglaterra por ocasião da reforma protestante.” São imagens de grande devoção, invocadas principalmente em ocasiões de ciclones ou tempestades marítimas.
A Santa Cruz das Ribeiras também foi arrojada uma imagem idêntica, ali venerada hoje por Senhor Jesus. É o Padroeiro da Paróquia. Diz-se que foi encontrada sobre uma pedra – a Pedra do Senhor Jesus - que se encontrava no meio do porto e que, há anos, dali foi retirada e transferida para o jardim do passal.
Devemos referir que uma identidade de devoção se apresenta entre o Bom Jesus de Iguape e o Bom Jesus venerado em S. Mateus, cuja imagem, afinal, dali veio. Não menos de assinalar que a festividade do Ecce Homo, quer no Brasil quer no Pico tenha lugar a 6 de Agosto, dia em que a Igreja celebra a Transfiguração do Senhor.
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